– “Em uma escala de um a 10, quanta dor você sente?”. A sensação dolorosa pode ser percebida de maneira diferente pelas pessoas, com base em seu gênero. É o que aponta um estudo  publicado pelo Journal of Pain.

De acordo com a pesquisa, quando pacientes do sexo masculino e feminino expressaram a mesma quantidade de dor, os observadores viram a dor das pacientes do sexo feminino como menos intensa e mais propensa a se beneficiar da psicoterapia versus medicação em comparação com os homens, expondo um significativo viés de gênero do paciente que poderia levar a disparidades nos tratamentos.

O estudo consistiu-se em dois experimentos. No primeiro, 50 participantes foram convidados a assistir vários vídeos de pacientes do sexo masculino e feminino que sofriam com problemas no ombro realizando uma série de exercícios de amplitude de movimento usando seus ombros lesionados e não lesionados. Os pesquisadores extraíram os vídeos de um banco de dados com pacientes com lesões reais no ombro, cada um com diferentes graus de dor. O banco de dados incluiu o nível de desconforto relatado pelos pacientes ao mover seus ombros.

As expressões faciais dos pacientes foram analisadas através do Facial Action Coding System (FACS) – um sistema abrangente para descrever todos os movimentos faciais visualmente discerníveis. Os pesquisadores usaram os valores do FACS em uma fórmula para fornecer uma pontuação objetiva da intensidade das expressões faciais dolorosas dos pacientes. Isso forneceu uma segunda verdade básica para os pesquisadores usarem ao analisar os dados.

Os participantes do estudo foram solicitados a avaliar a sensação dolorosa que eles achavam que os pacientes nos vídeos experimentaram em uma escala de zero, rotulada como “absolutamente sem dor”, a 100, rotulada como “ a pior dor possível”.

No segundo experimento, os pesquisadores replicaram a primeira parte deste estudo com 200 participantes. Desta vez, depois de assistir aos vídeos, os observadores foram solicitados a preencher o questionário “Gender Role Expectation of Pain”,  que mede os estereótipos relacionados ao gênero sobre sensibilidade, resistência e sensação dolorosa.

Os participantes também compartilharam quanta medicação e psicoterapia eles prescreveriam para cada paciente e quais desses tratamentos eles acreditavam que seriam mais eficazes no tratamento para eles.

Os pesquisadores analisaram os resultados das respostas dos participantes aos vídeos em comparação com o nível de dor autorrelatado pelo paciente e os dados de intensidade da expressão facial. A capacidade de analisar as percepções dos observadores em relação a essas duas medidas da dor dos pacientes nos vídeos permitiu que os pesquisadores medissem o viés com mais precisão. Isso porque o viés pode ser definido como classificações diferentes para pacientes do sexo masculino e feminino, apesar do mesmo nível de respostas.

Estereótipos da dor

No geral, o estudo descobriu que os pacientes do sexo feminino foram percebidos como tendo menos dor do que os pacientes do sexo masculino que relataram e exibiram a mesma intensidade de sensações dolorosas. Análises adicionais usando as respostas dos participantes ao questionário sobre os estereótipos de dor relacionados ao gênero permitiram aos pesquisadores concluir que essas percepções foram parcialmente explicadas por esses estereótipos.

Se o estereótipo é pensar que as mulheres são mais expressivas do que os homens, talvez “excessivamente expressivas”, então a tendência será desconsiderar os comportamentos  das mulheres. O outro lado desse estereótipo é que os homens são vistos como estoicos, então quando um homem faz uma expressão facial  intensa, você pensa, “Oh meu Deus, ele deve estar morrendo!”.

O resultado desse estereótipo de gênero sobre a expressão da dor é que cada unidade de expressão de dor aumentada de um homem representa um aumento maior em sua experiência de dor do que o mesmo aumento na expressão de dor de uma mulher.

Outro dado interessante do estudo mostra que a psicoterapia foi escolhida como mais eficaz do que a medicação para uma maior proporção de pacientes do sexo feminino em comparação aos pacientes do sexo masculino. O estudo também concluiu que o gênero dos observadores não influenciou na estimativa da dor. Tanto homens quanto mulheres interpretaram a dor feminina como menos intensa.

“A ideia de estudar as disparidades na percepção da dor com base no sexo de um paciente foi derivada de pesquisas anteriores, que descobriram que as mulheres geralmente recebem menos tratamento do que os homens e esperam mais tempo para receber esse tratamento também”, explica o neurocirurgião Pedro Henrique Cunha, especialista em Dor.

Há uma literatura ampla mostrando diferenças demográficas no relato da dor, a prevalência das condições clínicas dolorosas e também uma diferença demográfica no tratamento da dor. Essas diferenças se manifestam como disparidades porque parece que algumas pessoas estão sendo subtratadas por sua dor com base em seus dados demográficos.

“Uma informação importante que advém do estudo é que as pessoas, mesmo aquelas com treinamento médico, têm vieses demográficos consistentes na forma como avaliam a dor de pacientes do sexo masculino e feminino e que esses preconceitos afetam as decisões de tratamento. Os resultados demonstram que esses preconceitos de gênero não são necessariamente precisos. As mulheres não são necessariamente mais expressivas do que os homens e, portanto, sua expressão de dor não deve ser desconsiderada”, defende Pedro Henrique Cunha.

× Posso ajudar?